Atenção às Crianças II
O tema obesidade é pauta recorrente nas publicações acadêmicas no mundo inteiro. As principais revistas e divulgadores trazem a preocupação do crescimento mundial da obesidade, chamada de epidemia por vários deles. Os estudos abrangem vários campos e abordam variados mecanismos. No entanto, apesar de toda a preocupação e estudo, parece que ainda não encontramos um caminho ou método capaz de reduzir esse problema que visivelmente afeta nosso tempo.
Devemos considerar, portanto, tratar-se de problema complexo, multifatorial e que resposta simples não será solução, logo, também não deveríamos descartar nenhuma ferramenta disponível. Contudo, uma abordagem que se demonstra bastante promissora está sendo tratada como “dieta da moda” e descartada das possíveis intervenções sem mesmo permitir que o paciente a conheça ou a experimente. Seria realmente uma escolha legítima se não há o conhecimento de todas as opções? Entendemos que não.
Dentre os vários estudos realizados sobre obesidade com frequência nos deparamos com a visão de que o tecido adiposo é muito mais que reserva de energia estocado, mas também um órgão com funções endócrinas e metabólicas multifuncionais. As células lipídicas produzem alguns hormônios que interferem diretamente em nosso metabolismo. Quanto mais tecido adiposo se tem, mais esses hormônios serão produzidos, chegando a provocar um quadro de resistência à ação do hormônio no organismo.
Como exemplo, temos a leptina que desempenha forte papel na ingestão de alimento e gasto energético. Esse peptídeo é secretado pelos adipócitos e sua presença no organismo sinaliza a saciedade, mas, se estamos resistentes a essa sinalização, o que ocorre quando ele está circulando ininterruptamente no corpo, continuaremos nos alimentado mesmo com energia suficiente já ingerida, pois dependemos dessa sinalização eficiente para obter a reposta certa do que está acontecendo. É por meio de sinalização que os hormônios agem e interagem em nós.
Outro hormônio importante, pra citarmos apenas dois dos inúmeros que formam o sistema endócrino, é a insulina, esse produzido pelo pâncreas. Também possui papel fundamento no metabolismo, tanto para estocagem de lipídios nos adipócitos, como também a utilização dos alimentos ingeridos em forma de energia para o funcionamento das células em geral. No entanto, caso a insulina se mantenha constantemente em circulação, outros hormônios que dependem da sinalização de que ela já cumpriu seu papel e parou de agir não são produzidos e, portanto, sua função não é realizada. E, também aqui, é necessário entender que a presença intermitente de insulina sérica prejudica a homeostase e, por consequência, o bom funcionamento do organismo.
Dado que a obesidade está relacionada com o aumento de diversos fatores de risco para a saúde, quando em crianças as doenças associadas podem chegar mais cedo e prejudicar seu desenvolvimento biológico, físico e emocional. Em todas as fases da vida o acúmulo de excesso de gordura no tecido adiposo deve ser evitado e revertido, porém este texto abordará a questão na criança.
Dessa forma, dois cenários diferentes devem ser levados em consideração numa intervenção nutricional. Em um deles o indivíduo já está obeso e precisa retomar a homeostase energética e hormonal, o outro cenário é quando se quer evitar a obesidade na criança e permitir que todos os hormônios funcionem adequadamente. Inicialmente abordaremos o segundo cenário, pois parece ser mais simples, mesmo que não seja fácil devido toda pressa e agitação que temos por hábito nos impor.
Aqui parece acertado iniciar a alimentação infantil, após o período de amamentação, já e somente com alimentos in natura. Estudos e relatos de prática clínica parecem corroborar num sentido de que devemos evitar adoçar ou salgar os alimentos para que a criança desenvolva o paladar acostumada com a doçura própria dos alimentos e sem o realce causado pelo sal, assim ela estranhará quando um produto estiver doce em demasia. A partir de certa idade, com seu paladar já em desenvolvimento avançado, ela poderá participar dos rituais sociais regados a produtos alimentícios com palatabilidade alterada correndo menos risco de se viciar. Vale salientar que esses produtos devem ser mantidos apenas nos rituais, ou seja; em momentos especiais, e não os introduzir à rotina alimenta da criança e sua família.
No cenário em que já há sobrepeso ou obesidade diagnosticada a abordagem e intervenção devem ser diferentes. Aqui o que se quer é a volta à homeostase, se possível, sem a utilização de medicamentos, pois também interferem no organismo. Logo, a intervenção nutricional deve ser orientada em conjunto com os pais, cuidadores e respeitando a criança como agente, mas estimular a sinalização hormonal com a escolha alimentar deve ser preconizado. Será preciso mudança nos hábitos familiares, pois apesar de existir influência genética, é sabido que o ambiente obesogênico possui grande peso nesse quadro. Portanto, as alterações vão desde os horários de se alimentar, horário de dormir e acordar até as “recompensas” em forma de guloseimas.
É aí que entra o conhecimento técnico do profissional de saúde, nesse caso, o nutricionista. Pois, mesmo que o planejamento da intervenção seja em conjunto, como acreditamos que deve ser, ele deve apresentar as melhores alternativas para o contexto. E é claro que as diretrizes são importantes, devemos conhecê-las e utilizá-las, mas se bastassem não precisaríamos de vários anos de dedicação e estudo continuado, bastava decorá-las e aplica-las à risca.
A atividade de nutricionista nos faz perceber que “a fome é o cemitério das dietas”, como sentencia José Carlos Souto em Uma Dieta Além da Moda (SOUTO, 2023). O plano alimentar então deve passar por não apenas nutrir a criança com todos os aminoácidos essenciais, boas fontes de lipídios e carboidratos de fontes naturais, como verduras, frutas e legumes, mas também mantê-la alimentada e saciada, evitando a necessidade de recorrer a merendinhas industrializadas ricas em açúcares e gorduras refinadas.
Nesse caminho, será difícil superar 100 gramas diárias de carboidratos para essa criança, logo essa dieta seria declarada low carb, a “maldita dieta da moda”. Mas, pensemos, será que tratar uma opção que preza por excluir os processados e se concentra em “comida de verdade” como dieta da moda, quando a “dieta balanceada” tem falhado miseravelmente é mesmo a maneira correta de reduzirmos nosso crescente problema com obesidade? Novamente, entendemos que não.